Pais "curling"
Lia algures que hoje há uma pandemia de pais curling.
Para quem, eventualmente, nunca se tenha cruzado com o curling, é isto:
É um desporto estratégico, em que duas equipas lançam pedras de granito pelo gelo, de forma a ficarem o mais perto do centro do alvo. Os elementos da equipa varredores devem, por isso, ir "limpando" o gelo à frente da pedra, para garantir que segue o seu percurso.
No fundo, eliminam possíveis obstáculos que existam no gelo, garantindo a passagem da pedra.
Ora bem, retornando aos pais curling...
O autor do termo defende que vivemos numa sociedade com cada vez mais riscos e, paradoxalmente, cada vez preparamos menos os nossos filhos para os enfrentar, nomeadamente protegendo-os dos erros que possam cometer. No fundo, vamos "varrendo" o caminho à sua frente porque acreditamos que isso vai fazê-lo atingir o seu potencial.
Não sei se somos pais curling. Também há quem fale nos pais-helicóptero. Seria mais ou menos a mesma ideia, mas utilizando a analogia do heli que paira; os pais pairam sempre sobre os filhos, quase como uma figura omnipresente que não os deixa errar.
Dizia eu, não sei se somos curling, helicóptero ou, simplesmente, super protectores. Sei sim, que somos pais bombardeados com críticas disfarçadas de abordagens teóricas. Todas as semanas, sai um novo livro, uma nova crónica, um novo post (como este) sobre o que é ser um bom pai.
A verdade é que nunca como hoje a infância foi tão protegida; os direitos das crianças são falados e relembrados numa sociedade em que (felizmente) já nos chocamos com coisas que em tempos ninguém ousaria, sequer, questionar a sua moralidade. Olhamos para outras zonas do globo e sentimos indignação quando vemos o nosso passado espelhado no seu presente e, enquanto humanidade, unimo-nos para mudar isso.
Mas na micro-gestão do que é ser pai, começaram a aparecer ideias atrás de ideias, conceitos atrás de conceitos, modelos atrás de modelos que, sem recurso de bom senso, servem apenas para culpabilizar os pais.
Cada pai ou mãe é único. Cada criança é única. E não é a súmula dos seus pais, nem o seu produto. É um ser independente de vontade e pensamento. Queiramos ou não. Acreditar que há um modelo que serve a todos é como dizer que uma mesma peça de roupa assenta da mesma forma a qualquer pessoa. Nunca aconteceu. Certamente irá apertar mais numa zonas a uns e ficar mais largo noutras.
Pois bem, assim é educar com base nestes modelos. Há formas que ficarão largas, darão margem de manobra para a nossa criança. Há outras que serão apertadas, não servirão, mesmo que forcemos.
Quanto a sobre-protegermos os nossos filhos, acho que sim, que os fazemos. Acho que o discurso que hoje vigora é empoderador disso. "Com esforço, alcanças tudo o que quiseres".
A frase motivacional, que deveríamos utilizar para ajudar os nossos filhos a ultrapassar as suas próprias barreiras e a atingir o seu potencial, foi transformada num chavão de aplicação generalista de "podes ter tudo o que quiseres". E começamos a limpar o terreno para que esse potencial máximo seja alcançado, independentemente de ser ou não, o potencial que têm.
Promovemos que cada indivíduo é único, nas suas habilidades; mas transformamos essa individualidade no ser-se especial. E criamos a ilusão de que são especialmente únicos.
Acreditamos que devemos amar-nos primeiro, num exercício de amor-próprio e de respeito pelos nossos direitos; mas esse princípio passou a ser satisfazer primeiro as nossas necessidades, antes das de todos os outros, sem sequer considerar a possibilidade de que ceder não tem que ser uma fraqueza.
Por isso, por muito que me custe, encaixo a carapuça. Eu também vou limpando o caminho dos meus filhos, na vã tentativa de os proteger de alguns dissabores. Mas todos os dias faço um esforço enorme para me lembrar que é no exercício da sua liberdade, da contestação, da independência, que aprenderão quais são os seus limites, qual o seu potencial e onde podem construir-se como pessoas. Vou-me lembrando que é na frustração que se motivarão a crescer; que é no respeito por si que aprenderão, também, a respeitar os outros; que é nas suas características únicas que serão especiais para alguém, ainda que comuns na generalidade do mundo.